sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Não!



A máquina fazia o som característico, onde antes, só havia ouvido na TV, em filmes, séries e novelas. Infelizmente dessa vez era real. Como eu queria que tudo fosse mentira, uma brincadeira, sem a menor graça. Mas era real. Ela estava deitada ali, entubada, com uma seringa em seu braço por onde um liquido era injetado em sua veia. A cabeça enfaixada. Ela não conseguia nem respirar sozinha. Droga, droga. Aqueles tubos. Não! O entra e sai de enfermeiras. Não! Droga, como foi tudo aquilo acontecer? O que as enfermeiras anotavam nessas pranchetas? Por que o médico saiu daqui com a expressão triste e balançando a cabeça negativamente? Droga, droga, droga!! Aquilo não podia estar acontecendo. AQUILO não pode acontecer. Não pode! Deus! Por que eu sai disso só com estes pontos? Por que não estou no lugar dela naquela cama? Por que? Por que? Alguém me responda!

O celular não parava de tocar. Amigos, parentes, todo querendo saber o que tinha acontecido e como ela estava. A mãe desmaiou ao receber a noticia de mim, a irmã está em prantos em sua casa. E eu não posso fazer nada senão ver ela lutar pela vida.

O toque do celular irritava, associado com o bip sequenciado da máquina. Irritava, não conseguia juntar meus pensamentos, tudo estava confuso. Menos irritado fiquei depois de jogá-lo contra a parede e ver os pedaços voando por todo o quarto. Por que os enfermeiros estão entrando no quarto? Não. Por favor, não me tirem daqui. Quero ficar do lado dela. Não! Por favor! Pelo amor de deus! Quero estar ao lado dela quando acordar. Por favor!

O corredor do hospital é frio. Não ouço mais o bip da máquina. Nem o irritando som do celular tocando. Água. Preciso de água. Depois de alguns goles fico mais calmo. Fecho os olhos. As lembranças voltam. A música tocando baixinho no carro, o sorriso dela, a felicidade estampada em nossos rostos. O sinal verde, o farol do carro vindo em alta velocidade, ela tentando se proteger do impacto. Não! Escuro. Tudo estava escuro. De quando em quando, eu ouvia os paramédicos me dizendo pra ficar calmo. Eu me manti até o momento em que vi ela naquela situação. Sangue, muito sangue no rosto dela. Estava desmaiada, como está até agora. Eu gritava a eles para ajudarem ela primeiro. “Calma”, era tudo o que os paramédicos diziam. Não havia como. Escuro, agitação. Não. Ajudem ela. Não. Escuro. Mais nada me vem a cabeça. Só a enfermeira costurando os pontos no meu braço e pescoço. Onde estava ela? Eu perguntava ainda tonto para a enfermeira. O que tinha acontecido...

Lágrimas, lágrimas indo ao chão. A única coisa que me restava era chorar. Soluces e lágrimas. Indiferença das pessoas, estavam acostumadas aquilo. “Se beber não dirija”, dizia o cartaz na parede. Álcool. Não, eu não tinha bebido. Mas não se pode dizer o mesmo do motorista do outro carro que ultrapassou o sinal vermelho. Estava correndo, correndo demais. Não se importava com a vida alheia. Não se importava com a sinalização. Só queria correr e se divertir. “Ele está morto”, diziam os paramédicos. Um sorriso brotou no meu rosto. Merecido, foi muito merecido. Por causa de sua imprudência, havia perdido a vida, e estava tirando a vida dela.

O sorriso durou pouco. Por que os enfermeiros estão correndo? Por que esse carrinho com um desfibrilador? Não. Preciso correr. Não. Mais rápido. Isso não esta acontecendo. Saiam da frente, me deixem vê-la. Por que a máquina está com esse som agudo, continuo e não sequenciado? Por que seu coração não bate? Não! Não! Ajudem ela! AJUDEM! Ela está morrendo! Por que estão me tirando daqui? Ajudem ela! Não! Por favor! Pelo amor de deus! Não...

Meus gritos ecoavam por todo o hospital. Vou descendo lentamente até o chão com o rosto grudado na parede e as mãos deslizando suave e lentamente. O rosto do doutor já denunciava o acontecido antes de dizer pra mim. Foi pior “eu sinto muito” da minha vida. Não sei se já estava preparado psicologicamente para as palavras dele, mas eu não mais chorava. O desespero e medo cresciam dentro de mim, mas eu não chorava.

O corpo dela estava coberto quando adentrei a sala, agora vazia. Hesitava em abaixar o lençol, mas fiz. Ela estava linda! Como sempre foi, desde o dia que havia a conhecido. Como sempre foi. Mas ela estava morta! Sem vida, sem sorrisos, sem abraços. Droga! Ela nem viu a droga da aliança! Ela nem ouviu o meu pedido! Droga! Agora mais do que nunca, eu choro. Sem vergonha, igual a uma criança. O que será da minha vida agora? Lágrimas.

Deixo o quarto a passos vagarosos. Usando a parede de apoio. Droga... droga! Espero que o médico não se importe de eu querer enterrar ela junto do nosso filho que estava em sua barriga.

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