domingo, 17 de outubro de 2010

Diário de uma geração

            Amélia ainda dormia quando sentiu o celular vibrar debaixo do travesseiro. Sonolenta, enfiou a mão debaixo do mesmo procurando aquele pequeno aparelho que emitia um som irritante para àquela hora. Nem se deu o trabalho de abrir os olhos. Desligou-o e continuou tentando dormir. Depois de cinco minutos, o celular começou a fazer o mesmo barulho irritante. Amélia também irritada pegou o aparelho e jogou-o no chão com força, fazendo a bateria escapar e desligar completamente o celular.
- Agora posso dormir sussegada.
Colocou a cabeça embaixo do travesseiro e fechou os olhos. Tentou dormir. Tentou, mas não conseguiu. Revirava-se na cama tentando encontrar uma posição confortável, porém não conseguia mais pegar no sono. Comecei o dia bem, pensou enquanto se espreguiçava.
Virou-se pra cima e começou a olhar o próprio quarto. Havia pôsteres de várias bandas na parede, e de todos os estilos.
 Amélia era bem eclética quando o assunto era música. Ouvia coisas bem antigas para uma garota de apenas dezesseis anos. Grandes clássicos do rock compunham suas músicas favoritas, mas não vivia só no passado, também apreciava uma boa música moderna, o que era bem raro. 
Apesar da pouca claridade, conseguia destinguir bem cada parte do quarto, já estava acostumada com aquilo. Continuou ali deitada por mais alguns minutos. Abaixou-se então para pegar o celular e a bateria que estavam no chão, por sorte, estavam um ao lado do outro, perto da mesa do computador. Colocou a bateria no lugar e ligou o aparelho. Sorte não ter quebrado, meu pai iria me matar se tivesse quebrado outro, pensou enquanto carregavam as informações no aparelho. Olhou a hora, que continuava com a mesma configuração. Seis horas da manhã. Muito cedo para sua cabeça conseguir processar alguma coisa, cedo demais para uma garota de apenas dezesseis anos. A vontade era de fechar os olhos e voltar a dormir, e dormir, até tarde, acordar somente lá pelas duas horas da tarde. Maldita escola. Maldito horário. Por que tão cedo? Por que não pelo menos uma hora a mais? Segundo ano do ensino médio ainda, mais um ano e meio pela frente até terminar o ensino médio, fora a faculdade, isso é, se fosse fazer uma. Havia muito ainda  que acordar cedo. N            a verdade deveria estar aproveitando aquele momento, enquanto só estava estudando, pois, quando começasse a trabalhar, aí sim as coisas ficariam complicadas.
Esses pensamentos se repetiam diariamente pela manhã, toda vez que acordava. Antes de pisar no chão, reclamava mentalmente do trabalho que era acordar cedo.
Deitou novamente na cama e fechou os olhos, mas não dormiu, apenas respirou fundo para criar coragem de levantar e encarar outro dia de estudo. Sorte que é sexta-feira, pensou ela com um pequeno sorriso forçado.
Quando finalmente abriu os olhos e encontrou forças pra levantar, a porta de seu quarto se abriu. Sua mãe apareceu com uma cara de espanto seguida de um sorriso.
- Você já está acordada? Que milagre é esse? Nem tive que gritar ou puxar seu cobertor.
Amélia sentou-se, esfregou os olhou e soltou um longo bocejo.
- Hoje é sexta-feira mãe. O final de semana da forças para acordar cedo e se preparar para as festas e saídeiras.
Amélia se levantou e foi caminhando até o cabide onde haviam algumas peças de roupa e onde estava sua toalha. Estava com os olhos inchados de sono e com o rosto parecendo morto de tanta preguiça. Pegou a toalha e virou-se para porta onde sua mãe continuava ali parada.
- Acho que estou atrasada, vai continuar aí no caminho? Depois não reclame se eu perder a van.
A mãe de Amélia a encarou com um olhar sério.
- Por que você tá olhando desse jeito pra mim?
- Posso saber onde a senhorita estava até a meia-noite ontem? Não pense que não vi a hora em que chegou.
            Amélia bufou e ficou irritada com aquele pequeno interrogatório logo pela manhã.
-Eu estava na praça do centro mãe, com meus amigos. Eu avisei ontem a noite, antes de sair e você ainda me ligou três vezes, por que está perguntando isso?
Dona Marta cruzou os braços sem sair do caminho da porta.
-O Vagner ligou ontem aqui pelo menos umas cinco vezes. Pensei que ele estava com você lá. Como vi agora que não estava, resolvi perguntar.
-Mãe... - Amélia deu uma risada meio sem graça, visivelmente surpresa com a pergunta da mãe. -  Eu dei uma fugidinha pra me divertir um pouco com meus amigos. Preciso de um descanço do namoro de vez em quando, sabe, sair com o povo da escola pra rir um pouco. Se eu sempre sair com o Vagner, o namoro vai acabar ficando enjoativo, e eu sei que ele sai com os amigos pra beber de vez em quando.
A mãe de Amélia negou com a cabeça, reprovando a atitude da filha.
- Esses namoros modernos viu. Na minha época "fugidinha" tinha outro significado. Já se conheceram pela internet e agora ficam com essas frescuras de saírem separados. E ficar andando pra lá e pra cá com um monte de homem não é uma coisa muito bonita para uma garota.
- Ah mãe, para de encher o saco, acabei de acordar e você já tá me amolando, dá um tempo. E eu não ando só com meninos, tenho várias amigas e andamos todos juntos. E ELES são apenas meus amigos, nada de mais. Então trate de tirar essas coisas da sua cabeça.
A mãe de Amélia continuou olhando seriamente para a filha durante um momento.
- Espero mesmo que seja isso que você está falando.
Então saiu do caminho da porta, deixando-a aberta.
Amélia ficou ali parada observando sua mão direita, mais especificamente o dedo anelar, onde havia uma bela aliança banhada a ouro. Tinha dois nomes gravados: Amélia e Vagner.
Amélia sentiu um frio na barriga, aquela sensação estranha de quando se pensa na pessoa amada, borboletas no estômago. Correu até a cama onde havia deixado o celular jogado. Pegou-o e abriu o menu de chamadas, foi até suas chamadas perdidas. Sete ligações perdidas na noite anterior. As sete com o mesmo nome: Vagner, seu namorado. Amélia novamente sentiu aquele frio na barriga ao pensar no quanto seu namorado poderia ter ficado irritado ao saber que ela havia saído com seus amigos para se divertir e nem o havia avisado ou chamado. Apesar de não ter feito nada de errado quanto ao seu namoro, sua consciência pesava cada vez mais.
Rapidamente, abriu o menu de mensagens e começou a digitar no teclado um pequeno texto endereçado ao número de seu amado.

            Desculpa por não ter te avisado sobre ontem. Beijo, te amo.
            Ps: Por favor, tente não ficar bravo comigo, desculpa.


Enviou então a mensagem para Vagner. Sua mente e coração ficaram mais leves agora com o aviso, um pouco tardio, mas dado e o pedido de desculpas passado.
Jogou o celular encima da cama, pegou a toalha e dirigiu-se à porta. Bocejou longamente enquanto caminhava. Apesar de tudo, ainda era ruim acordar aquela hora.
O banheiro ficava alguns poucos metros do seu quarto, seguindo por um pequeno corredor. Adentrou e iniciou seu ritualístico banho matutino. Um tanto demorado para aquela hora, mas nada fora do padrão. Vinte minutos no máximo. As manhãs eram frias em Junho e a água quente servia de cobertor líquido, aquecendo o corpo de maneira intensa e dando a vontade de não sair dali tão cedo. Quem acorda cedo todos os dias e toma banho, sabe bem como é isso.
Enquanto a água caía em sua cabeça, descendo pelo seu corpo, Amélia tentava se recordar da noite anterior. Lentamente, as coisas voltavam a sua mente. A praça lotada de amigos, mas não a praça do centro, aquela tinha muita gente velha e chata, sempre querendo dar sermão, principalmente os crentes com aquelas bíblias debaixo do braço. Lá nem dava pra fumar ou beber, sempre passava algum conhecido e no dia seguinte, alguém ouvia um monte dos pais. Era aquela praça do Jardim São Luiz, ela não era tão isolada, apesar de um pouco perigosa; sempre havia algumas pessoas mau encaradas querendo arrumar confusão, arranjavam qualquer desculpa para uma briga. 
Mas havia erva lá, e da boa, valia o risco ir até lá. O pessoal mais velho sempre ia de carro nas redondezas procurar, e procuravam de tudo: desde maconha até bala ou doce. O rolê naquela praça era bem mais interessante.
Estranhamente, Amélia tinha apenas alguns flashs de memória, não conseguia se lembrar de algo muito concreto. Conseguia se lembrar dos amigos rindo, e rindo muito; a erva era realmente boa. Lembrava-se de brincadeiras meio infantis, mas divertidas; garrafas de bebida, vinho, vodka, cerveja, cigarro e tudo de errado.
Terminou o banho com aquilo na cabeça. O que havia acontecido na noite anterior? Por que não se lembrava de nada? Havia bebido e fumado tanto que teve uma pequena amnésia?
Esperava que no minímo não tivesse feito nada de errado, pelo menos no que dizia respeito ao seu namoro. Mas não tinha certeza de nada.
Envolveu-se na toalha e saiu do banheiro. Voltou para o quarto, trancando-o para não ser incomodada novamente. Nada pior do que alguém enxendo o saco logo pela manhã, independente de quem fosse.
Abriu o guarda-roupa e começou seu segundo dilema do dia: Com que roupa ir? Mesmo sendo apenas a escola, Amélia gostava de estar minimamente apresentável. A camiseta da escola era obrigatória, mas felizmente, era a única peça de roupa que todos era obrigados a ir. A calça jeans era simples, sem muitos detalhes, um pouco apertada, o que fazia com que Amélia se sentisse um pouco acima do peso. Nada tão aterrorizador, na verdade Amélia já estava até conformada com aquela barriguinha. Toda vez que colocava uma calça, prometia a si mesma que iria iniciar um regime, o que nunca era cumprido. Um belo par de tênis Adidas completava seu ritual matutino.
Porém, ainda havia o cabelo e a maquiagem, esses eram os principais responsáveis pelos atrazos quase diários de Amélia. Uma pequena reclamação por escrito do motorista da van já havia sido enviada para seus pais, mas nada que fizesse com que Amélia se apressasse.
Enquanto Amélia secava o cabelo alguém bateu na porta de seu quarto.
- Amélia, abre essa porta! - Amélia ouviu sua mãe do outro lado.
- O que você quer? – Gritou a jovem por causa do barulho do secador.
- Não pense em ficar mais nenhum minuto com frescura com esse cabelo. Se você fizer o motorista ficar te esperando, você vai ter sérios problemas!
Amélia desligou momentaneamente o secador.
- Tá bom mãe, para de encher o saco! Droga, logo de manhã assim?
Religou o aparelho e continuou a secar o cabelo em frente a um grande espelho pendurado na parede de seu quarto. Ouviu novamente as batidas na porta, dessa vez mais fortes.
- Porra! Para de enche o saco, já estou terminando!
- Amélia – Ouviu uma voz mais grossa e irritada do outro lado da porta. Era seu pai. – Abre já essa droga de porta!
         Amélia se assustou com a voz e desligou o secador rapidamente. Deixou-o encima do criado-mudo e foi até a porta, abrindo-a.
Renato era um homem bom e um pai melhor ainda, mas sabia que, ser um bom pai exigia muito, por isso era uma pessoa séria e rígida com a filha. Ao mesmo tempo a amava acima de tudo e entendia que amar era educar bem um filho. E ultimamente as coisas não estavam muito boas. Amélia estava começando a ir mal na escola, andar com más companias, sair e chegar muito tarde. Apesar de ter deixado a filha namorar em casa, ela nunca parava no lar. Sempre saindo com o namorado e com os amigos. As poucas vezes que chegava sorrindo muito em casa, Renato sabia bem que a filha tinha bebido. Por sorte de Amélia, seu pai nunca desconfiara que fumasse maconha de vez em quando, não passava pela cabeça daquele pobre senhor que sua filha havia chegado a tanto. Era tão jovem e cheia de vida. Mas era uma adolescente, e como todos os outros, dava  trabalho e muito.
Amélia abriu a porta do quarto e deu de cara com aquele homem alto e sério. Seu bigode era característico, Renato era um senhor bem a moda antiga. Estava de braços cruzados olhando para baixo em direção aos olhos da filha. Amélia sentiu um pouco de medo daquele olhar penetrante.
- Você não ouviu o que sua mãe disse? – A voz de Renato era grossa e parecia irritada.
-Ouvi – Amélia respondeu seco e desviou o olhar para baixo.
            -Então posso saber o porquê não obedeceu? E por que respondeu sua mãe deste modo? Foi assim que eu te ensinei a responder as pessoas, ainda por cima, a sua própria mãe?
Amélia continuava olhando para o chão, sem coragem de encarar seu pai.
-Foi Amélia? Olhe pra mim e responda!
-Não... não foi. – Amélia olhou triste para o pai, sabia que estava errada.
-Pois bem então, espero mais de você daqui pra frente, se não, vou ter que começar a adotar algumas medidas que não vão agradar ninguém. – Renato virou as costas e saiu andando. – E trate de não se atrasar! – Gritou enquanto caminhava.
Amélia voltou para frente do espelho com passos vagarosos. Ficou em sua frente observando seu reflexo. Mecheu no cabelo e viu que não estava tão ruim assim. Estava ajeitada para ir para a escola.
Foi até o guarda-roupas e abriu uma porta. Naquela parte haviam vários livros, desde os escolares, passando por apostilas; até grandes nomes da literatura. Amélia apesar de ser uma garota um pouco revoltada nessa parte difícil de sua adolescencia, não apenas ficava saindo todo final de semana para namorar ou beber com os amigos, gostava muito de ler. Adquiriu o gosto pela leitura logo cedo. Incentivado tanto por seu pai quanto pela sua mãe, ambos professores.
            Na parte de baixo, pegou sua mochila escolar. Preta, toda rabiscada de caneta ou corretivo liquido. Nomes de amigos, bandas, corações, todo tipo de coisa. Colocou-a nas costas e saiu do quarto, trancando-o e colocando a chave no bolso. Não gostava que entrassem lá e mexessem em suas coisas.
            Seguiu o pequeno corredor, passando pelo banheiro e o quarto dos pais. Chegou então à cozinha. Seu pai estava sentado na cadeira lendo o jornal e tomando uma xícara de café, sua mãe lavava uma pequena quantidade de louça suja. Os dois pararam o que estavam fazendo e a encararam.
- Nossa, o que aconteceu? Vão ficar me encarando o resto do dia? Eu já pedi desculpas. – Disse se dirigindo à geladeira e pegando uma jarra com suco.
- Não irá adiantar de nada você pedir desculpas toda vez que fizer algo errado. Desculpas não mudam o passado. Evite pedir perdão, evitando fazer coisas ruins.
Amélia ficou calada enquanto pegava um copo e enchia de suco.
Seu pai continuou a ler o jornal depois de ver que a filha tinha entendido o recado.
Um pequeno silêncio pairou sobre o ambiente. Logo foi quebrado por Dona Marta:
- Amélia, você terminou o trabalho de português que você tem que entregar amanhã? – Sua mãe havia terminado de lavar a louça e agora a encarava.
- Como você sabe que eu tenho que entregar trabalho amanhã? – Amélia fez expressão de espanto.
- Ora, eu conheço sua professora, esqueceu? Encontrei-a outro dia lá na escola que eu estava cobrindo aula de outro professor e conversei um pouco com ela. Perguntei como você estava na aula. Ela me disse que você é uma boa aluna, apesar de sempre estar conversando e no meio da bagunça, e também que você tem que entregar esse tal trabalho amanhã.
            Amélia terminou de beber o suco e começou a encher o copo novamente. Fazia isso para processar aquilo que acabara de ouvir e pensar em uma boa resposta, já que não havia terminado trabalho nenhum, aliás, nem se lembrava de tal trabalho antes da mãe lembrá-la.
            Estou terminando já. Estou fazendo com uma amiga minha. O trabalho é em dupla, hoje mesmo nós terminamos. – Bebeu rapidamente o suco e deixou o copo encima da mesa. – Vou ir lá na frente já, pra evitar o motorista ficar esperando eu sair daqui. Tchau pra vocês dois.
Saiu rapidamente da cozinha, passando pela sala, e abrindo uma porta que dava para um extenso quintal. Não sabia se a mãe havia acreditado no que havia inventado, mas não queria ficar ali para descobrir.
Foi caminhando até o portão. Pensava em Vagner. Como ele estaria na aula. Deveria estar bem irritado, ainda mais se alguém contasse pra ele que tinha bebido e fumado com os amigos. Vagner era um bom namorado. Até onde Amélia sabia, ele era fiel. Era bonito e cobiçado entre todas as garotas do colégio, o que causava muito ciúmes em Amélia. Gostava de jogar futebol, todas as vezes que Amélia ia assisti-lo jogando, ele dedicava os gols à ela. Vagner era romântico o suficiente para fazer o coração jovem de Amélia se encher de energia e felicidade. Quase não brigavam, parecia um casal de novela. Mas dessa vez Amélia tinha quase certeza que iriam ter uma pequena discussão.
Quando chegou ao portão, viu a van que estacionava vagarosamente. O motorista deu uma leve buzinada. Era de costume, já que Amélia sempre se atrasava. Mas dessa vez o motorista se assustou ao ver a garota já no portão.
- Acho que meu recado finalmente fez efeito.
Amélia abriu o portão e sorriu para o motorista.
- Pois é. – Suspirou e pensou novamente no namorado e no seu futuro. É, mais um dia dessa vida miserável.





2 comentários:

  1. Danii cade o final? fiquei doidinhaaaaaaa para lerrrr!

    AMEIIII!

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  2. adoreiiii, quero continuação estou hiper empolgada com a história *----*

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